Uma manhã destas, quando levava o meu
filho de 8 anos à escola, ele perguntou-me “ Mãe, ali é uma escola?”. Perdida
em pensamentos, dei por mim a pensar na primeira vez que entrei naquela escola,
com a minha bata branca, impecavelmente passada a ferro e exibindo os vincos
próprios de quem sabe o que faz… tinha também um monograma bordado pela minha
mãe.
E lá entrei eu, orgulhosa da minha
bata com monograma e acompanhada pela mãe. Sim, porque era o primeiro dia de
aulas e os alunos podiam levar as mães. Sentia um misto de felicidade e um
pouco de medo mas, sem dúvida, que a felicidade sobrepunha-se a qualquer outro
sentimento: Ia para a escola, já era crescida!
O edifício era baixo e retangular, com
duas entradas, em cada entrada havia quatro salas de aula, duas em baixo e duas
em cima. À entrada estavam as professoras e faziam a “chamada”. Quando chamavam
o nosso nome tínhamos de entrar. Algumas crianças choravam, outras estavam muito
caladas, Na cara das mães havia um misto de felicidade e apreensão. E pronto,
tinham chamado por mim, dei um beijo à mãe e entrei, o primeiro passo de uma
nova etapa.
Posso afirmar que foram anos muito
felizes, estes que passei na escola. Entre as aulas e o recreio, de tudo
gostei. As recordações da” Professora Lídia” são as melhores. Já não era muito
nova (pelo menos aos meus olhos), exigente, severa, disciplinadora, mas muito
meiga. Nunca tive medo dela. Sentia respeito e muita admiração.
A Professora sentava-se numa mesa grande, no
centro da sala. Aos alunos que se portavam melhor ou executavam as tarefas rapidamente,
permitia que se sentassem ao lado dela o resto da aula. Quantas vezes me sentei
junto a ela, sentindo-me especial… Recordo-me, também, dos ensaios para as
festas de Natal. As canções, os teatros e os poemas. O leite da escola, em
pratos fundos e com um pouco de chocolate. Os ladrilhos de marmelada, as
sacas-de-guardanapo bordadas com os lanches…
Quando acabei o quarto ano, a
Professora Lídia chamou-me para me entregar um dossiê, que guardo até hoje, com
todos os trabalhos que fiz. Por vezes, leio-os um a um e fico maravilhada com
as recordações e sentimentos que me trazem de volta…
Descobri que afinal não sou só eu que
a recordo. Agora, doente da minha irmã, perguntou como eu estava, recordando-se
do meu nome. Que delícia.
Mas como uma igreja é constituída
pelos fiéis, também uma escola é feita pelas pessoas que a constituem e não
pelo edifício… O meu filho volta a insistir na pergunta, “ Mãe, ali é uma
escola?”, e eu respondo, “ Não, filho. Agora não é”.
E mais uma vez, embrenhada num
turbilhão de pensamentos, dou por mim a pensar “Na Escola”. Este meu hábito de
estar constantemente a pensar em algo, talvez seja diferente da maior parte das
pessoas, ou não... A este propósito, certa vez, há muitos anos, estando eu com
outra pessoa de quem muito gostava, olhei para o seu rosto e vi uma expressão
distante, quase pensativa. Perguntei em que pensava, respondeu-me que não
pensava em nada, “ estava de cabeça vazia” e muitas vezes assim sucedeu até eu
perceber que realmente assim era. Nunca foi fácil, para mim, pensar que se pode
estar sem pensar em nada. Eu estou sempre a pensar em algo. Por vezes, um
turbilhão, outras vezes calmamente.
Mas voltando ao tema “ A Escola”, quem
já passou por vários cargos dentro da escola ou na tutela, ou ainda nas
Comissões e conhece a realidade, no terreno, nas escolas desde o 1º ciclo ao
secundário, sente-se tentado a refletir sobre esta instituição e organização .
Os problemas com que a escola se
defronta, hoje, não são os mesmos de “antigamente”. Um Agrupamento de escolas é
uma organização complexa que envolve muitos Professores de diversos níveis e
diferentes formações, espartilhados em órgãos diversos, debilmente articulados,
e pouco coesos. Cada Professor vive num frenesim, entre os toques das aulas, a
preocupação de lecionar os conteúdos programáticos e a necessidade de cumprir
todas as imensas tarefas burocráticas impostas, onde nitidamente se misturam os
papéis de Professor e Administrativo. São horas e horas de trabalho puramente
burocrático com tecnologia obsoleta onde impera o documento escrito ou o
suporte informático deficiente e, frequentemente, sem computadores devidamente
atualizados, em número suficiente ou mesmo avariados. Neste tipo de trabalho, o
Professor perde horas na escola e em casa, muitas delas à noite ou ao fim de
semana….
Subjacente a tudo o que já se falou,
há um aumento cada vez mais assustador de indisciplina, desde o 1º ciclo (pasme-se)
até ao secundário. As escolas procuram estratégias, por vezes juntam todos os
alunos “difíceis” ou que não transitaram na mesma turma, as chamadas turmas de
nível, com assessorias pedagógicas ou não. Será o mais adequado? Não estaremos
a estigmatizar os alunos e a sobrecarregar os Professores que lecionam essas
turmas?
É certo que a indisciplina ocorre
principalmente na sala de aula e preferencialmente com um determinado tipo de
Professores, o que significa que talvez as estratégias pedagógicas utilizadas
não sejam as mais adequadas. No entanto, há turmas onde a indisciplina ocorre
de uma forma mais generalizada e aí é preciso perceber para “além da sala de
aula”. O “currículo oculto” ou o contexto familiar poderão ser duas das grandes
causas.
Quando se fala em indisciplina no 1º ciclo
(eu prefiro chamar de comportamentos desajustados) há alguns pressupostos a
considerar. Por um lado, se estamos a falar do 1º ano, esse é o 1º contacto com
a escola. Então o que motiva estes comportamentos? Ainda há pouco uma
Professora titular do 1º ano me dizia, “ Sabe, quando eu obriguei a criança a
limpar uma mesa porque a tinha riscado toda, a mãe veio à escola reclamar
porque esse era o trabalho das funcionárias e que, se fosse preciso, iria ela
própria limpar a mesa e não o seu filho!”. Ora esta mãe não percebeu o que está
implícito no ato de obrigar a criança que sujou a mesa a limpá-la. Assim como
outro caso de uma criança com comportamentos desajustados mas que vai pela rua
fora aos pontapés à avó!
Serão culpadas, estas crianças? Não,
parecem-me vítimas do contexto social em que vivemos hoje: pais muito jovens,
famílias instáveis, falta de verdadeiros valores e de formação, permissividade,
valorização excessiva dos bens materiais em detrimento dos morais e poucos
hábitos de trabalho. As crianças têm dificuldade em lidar com a frustração
porque não foram educados para isso. Não têm objetivos ou perspetivas de vida.
Temo pensar nas nossas escolas daqui a
dez anos…
A escola de hoje não motiva os alunos.
Na era da tecnologia, com a possibilidade de saber o que se passa não só na
Terra mas também no Universo, em poucos minutos, através da internet, a escola
obsoleta de hoje não consegue interessar aos nossos jovens. A escola do futuro
terá de investir em “Ensinar a aprender” e deixar para trás as formas
tradicionais de Ensino-Aprendizagem.
E os Professores como vivem tudo isto?
Desanimados, desmotivados, cansados. Quando se fala com um Professor sente-se
um desânimo enorme, uma impotência perante os factos, uma desmotivação…
acrescidas pelos sucessivos cortes no vencimento, pela desvalorização social da
sua imagem e pela falta de respeito que têm vindo a ser vítimas por parte dos
dirigentes políticos.
Onde está o Professor interventivo que
se prontificava a lutar pelos seus direitos, escrevia em colunas de opinião e
encetava profícuas discussões pedagógicas com os seus pares? Os Professores
morreram ou estão simplesmente cansados?
LAC