sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A Escola Morreu?





A Escola Morreu?


Uma manhã destas, quando levava o meu filho de 8 anos à escola, ele perguntou-me “ Mãe, ali é uma escola?”. Perdida em pensamentos, dei por mim a pensar na primeira vez que entrei naquela escola, com a minha bata branca, impecavelmente passada a ferro e exibindo os vincos próprios de quem sabe o que faz… tinha também um monograma bordado pela minha mãe.

E lá entrei eu, orgulhosa da minha bata com monograma e acompanhada pela mãe. Sim, porque era o primeiro dia de aulas e os alunos podiam levar as mães. Sentia um misto de felicidade e um pouco de medo mas, sem dúvida, que a felicidade sobrepunha-se a qualquer outro sentimento: Ia para a escola, já era crescida!

O edifício era baixo e retangular, com duas entradas, em cada entrada havia quatro salas de aula, duas em baixo e duas em cima. À entrada estavam as professoras e faziam a “chamada”. Quando chamavam o nosso nome tínhamos de entrar. Algumas crianças choravam, outras estavam muito caladas, Na cara das mães havia um misto de felicidade e apreensão. E pronto, tinham chamado por mim, dei um beijo à mãe e entrei, o primeiro passo de uma nova etapa.

Posso afirmar que foram anos muito felizes, estes que passei na escola. Entre as aulas e o recreio, de tudo gostei. As recordações da” Professora Lídia” são as melhores. Já não era muito nova (pelo menos aos meus olhos), exigente, severa, disciplinadora, mas muito meiga. Nunca tive medo dela. Sentia respeito e muita admiração.

 A Professora sentava-se numa mesa grande, no centro da sala. Aos alunos que se portavam melhor ou executavam as tarefas rapidamente, permitia que se sentassem ao lado dela o resto da aula. Quantas vezes me sentei junto a ela, sentindo-me especial… Recordo-me, também, dos ensaios para as festas de Natal. As canções, os teatros e os poemas. O leite da escola, em pratos fundos e com um pouco de chocolate. Os ladrilhos de marmelada, as sacas-de-guardanapo bordadas com os lanches…

Quando acabei o quarto ano, a Professora Lídia chamou-me para me entregar um dossiê, que guardo até hoje, com todos os trabalhos que fiz. Por vezes, leio-os um a um e fico maravilhada com as recordações e sentimentos que me trazem de volta…

Descobri que afinal não sou só eu que a recordo. Agora, doente da minha irmã, perguntou como eu estava, recordando-se do meu nome. Que delícia.

Mas como uma igreja é constituída pelos fiéis, também uma escola é feita pelas pessoas que a constituem e não pelo edifício… O meu filho volta a insistir na pergunta, “ Mãe, ali é uma escola?”, e eu respondo, “ Não, filho. Agora não é”.

E mais uma vez, embrenhada num turbilhão de pensamentos, dou por mim a pensar “Na Escola”. Este meu hábito de estar constantemente a pensar em algo, talvez seja diferente da maior parte das pessoas, ou não... A este propósito, certa vez, há muitos anos, estando eu com outra pessoa de quem muito gostava, olhei para o seu rosto e vi uma expressão distante, quase pensativa. Perguntei em que pensava, respondeu-me que não pensava em nada, “ estava de cabeça vazia” e muitas vezes assim sucedeu até eu perceber que realmente assim era. Nunca foi fácil, para mim, pensar que se pode estar sem pensar em nada. Eu estou sempre a pensar em algo. Por vezes, um turbilhão, outras vezes calmamente.

Mas voltando ao tema “ A Escola”, quem já passou por vários cargos dentro da escola ou na tutela, ou ainda nas Comissões e conhece a realidade, no terreno, nas escolas desde o 1º ciclo ao secundário, sente-se tentado a refletir sobre esta instituição e organização .

Os problemas com que a escola se defronta, hoje, não são os mesmos de “antigamente”. Um Agrupamento de escolas é uma organização complexa que envolve muitos Professores de diversos níveis e diferentes formações, espartilhados em órgãos diversos, debilmente articulados, e pouco coesos. Cada Professor vive num frenesim, entre os toques das aulas, a preocupação de lecionar os conteúdos programáticos e a necessidade de cumprir todas as imensas tarefas burocráticas impostas, onde nitidamente se misturam os papéis de Professor e Administrativo. São horas e horas de trabalho puramente burocrático com tecnologia obsoleta onde impera o documento escrito ou o suporte informático deficiente e, frequentemente, sem computadores devidamente atualizados, em número suficiente ou mesmo avariados. Neste tipo de trabalho, o Professor perde horas na escola e em casa, muitas delas à noite ou ao fim de semana….

Subjacente a tudo o que já se falou, há um aumento cada vez mais assustador de indisciplina, desde o 1º ciclo (pasme-se) até ao secundário. As escolas procuram estratégias, por vezes juntam todos os alunos “difíceis” ou que não transitaram na mesma turma, as chamadas turmas de nível, com assessorias pedagógicas ou não. Será o mais adequado? Não estaremos a estigmatizar os alunos e a sobrecarregar os Professores que lecionam essas turmas?

É certo que a indisciplina ocorre principalmente na sala de aula e preferencialmente com um determinado tipo de Professores, o que significa que talvez as estratégias pedagógicas utilizadas não sejam as mais adequadas. No entanto, há turmas onde a indisciplina ocorre de uma forma mais generalizada e aí é preciso perceber para “além da sala de aula”. O “currículo oculto” ou o contexto familiar poderão ser duas das grandes causas.

Quando se fala em indisciplina no 1º ciclo (eu prefiro chamar de comportamentos desajustados) há alguns pressupostos a considerar. Por um lado, se estamos a falar do 1º ano, esse é o 1º contacto com a escola. Então o que motiva estes comportamentos? Ainda há pouco uma Professora titular do 1º ano me dizia, “ Sabe, quando eu obriguei a criança a limpar uma mesa porque a tinha riscado toda, a mãe veio à escola reclamar porque esse era o trabalho das funcionárias e que, se fosse preciso, iria ela própria limpar a mesa e não o seu filho!”. Ora esta mãe não percebeu o que está implícito no ato de obrigar a criança que sujou a mesa a limpá-la. Assim como outro caso de uma criança com comportamentos desajustados mas que vai pela rua fora aos pontapés à avó!

Serão culpadas, estas crianças? Não, parecem-me vítimas do contexto social em que vivemos hoje: pais muito jovens, famílias instáveis, falta de verdadeiros valores e de formação, permissividade, valorização excessiva dos bens materiais em detrimento dos morais e poucos hábitos de trabalho. As crianças têm dificuldade em lidar com a frustração porque não foram educados para isso. Não têm objetivos ou perspetivas de vida.

Temo pensar nas nossas escolas daqui a dez anos…

A escola de hoje não motiva os alunos. Na era da tecnologia, com a possibilidade de saber o que se passa não só na Terra mas também no Universo, em poucos minutos, através da internet, a escola obsoleta de hoje não consegue interessar aos nossos jovens. A escola do futuro terá de investir em “Ensinar a aprender” e deixar para trás as formas tradicionais de Ensino-Aprendizagem.

E os Professores como vivem tudo isto? Desanimados, desmotivados, cansados. Quando se fala com um Professor sente-se um desânimo enorme, uma impotência perante os factos, uma desmotivação… acrescidas pelos sucessivos cortes no vencimento, pela desvalorização social da sua imagem e pela falta de respeito que têm vindo a ser vítimas por parte dos dirigentes políticos. 

Onde está o Professor interventivo que se prontificava a lutar pelos seus direitos, escrevia em colunas de opinião e encetava profícuas discussões pedagógicas com os seus pares? Os Professores morreram ou estão simplesmente cansados?

 

LAC

 

 

 
 
 

 

 

 

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